Crítica - Histórias Cruzadas

Está entre os melhores filmes do ano

JOGANDO SAL NUMA FERIDA NUNCA CICATRIZADA
Longa esboça radi­o­gra­fia das rela­ções huma­nas durante período intenso de segre­ga­ção racial nos EUA, em para­lelo ao sur­gi­mento das pri­mei­ras noções de direi­tos civis

Texto: Rafaella Soares (do site Revista o Grito)
É pre­ciso que se diga, antes de qual­quer coisa: Histórias Cruzadas, indi­cado ao Oscar nas cate­go­rias: “Melhor Filme”, “Melhor Atriz” (Viola Davis, mara­vi­lhosa, exata) e “Melhor Atriz Coadjuvante” (Jessica Chastain e Octavia Spencer), é mais um filme sobre o que esco­lhe­mos pro­ta­go­ni­zar nas rela­ções que esta­be­le­ce­mos. Se o sen­ti­mento puro e espon­tâ­neo, livre de amar­ras pré-estabelecidas, ou o que é aqui­es­cido socialmente.
Isso fica claro a certa altura do filme, quando a patroa branca recebe uma “dis­tin­ção”, na forma de meda­lha, de um grupo de senho­ras defen­so­ras da tríade famí­lia, pro­pri­e­dade e tra­di­ção, mas pre­cisa, naquele momento, se posi­ci­o­nar sobre um ente da famí­lia, que cir­cuns­tan­ci­al­mente não sig­ni­fica nada para as peruas empo­lei­ra­das: é a velha empre­gada negra.
Dito isso, vamos à vér­tice oposta desta mesma famí­lia, sua filha, Eugenia ‘Skeeter’ (Emma Stone), aspi­rante a jor­na­lista e escri­tora, que está de volta à pequena cidade do Mississipi, depois de ter­mi­nar a facul­dade. De natu­reza escla­re­cida e cheia de cará­ter, a jovem começa a ques­ti­o­nar os valo­res arrai­ga­dos do racismo e das rela­ções de poder quando decide entre­vis­tar as mulhe­res que sem­pre cui­da­ram das “famí­lias do sul”, no que se trans­forma em pro­jeto de livro.
Depois de algu­mas cenas pon­tu­ais que garan­tem o posi­ci­o­na­mento de indig­na­ção do espec­ta­dor (aliás, que­ria poder viven­ciar uma ses­são do longa com muxo­xos de rea­ci­o­ná­rios escon­di­dos no breu do cinema!), como a oca­sião em que a cons­tru­ção de um banheiro dis­tinto para a empre­gada da casa é tra­zido à dis­cus­são durante par­tida de bridge, Skeeter con­se­gue o apoio de Aibileen Clarke (Viola Davis), e Minny Jackson (Octavia Spencer). O trio dá iní­cio a uma cora­josa jor­nada de reve­lar anos de humi­lha­ção e impo­si­ções desu­ma­nas, para dizer o mínimo.
Abolindo o fato de ser mais arris­cado para as domés­ti­cas tra­ze­rem à tona tan­tos segre­dos de alcova das insus­pei­tas casa de famí­lia, Skeeter tam­bém mos­tra pro­pri­e­dade em ques­ti­o­nar os cos­tu­mes. O longa está con­tex­tu­a­li­zado em um período emble­má­tico da his­tó­ria ame­ri­cana, a década de 1960, antes da mudança dos tem­pos atin­gir todas as cama­das. Um dos pou­cos momen­tos em que vemos pon­tos de vista rivais serem colo­ca­dos em pers­pec­tiva é lá pelo meio do filme, na cena em que os patrões se depri­mem com a trans­mis­são tele­vi­si­o­nada do fune­ral do pri­meiro Kennedy a mor­rer assas­si­nado, o pre­si­dente John, entu­si­asta dos direi­tos civis – pouco depois do assas­si­nato do ati­vista negro Marthin Luther King.
Histórias Cruzadas versa sobre as rela­ções de poder e o que é sacri­fi­cado para man­ter imu­tá­vel o estilo de vida de alguns pou­cos, quando ele con­densa a ideia que se faz do que é seguro e ade­quado. Dirigido e rotei­ri­zado por Tate Taylor e pro­du­zido por Chris Columbus, o filme impele quem assiste a sair do ambi­ente seguro em que per­ma­ne­ce­mos, com a pro­messa de envol­vi­mento natu­ral sen­tido, quando esta­mos empe­nha­dos em viver como pes­soas autênticas.

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